domingo, 5 de junho de 2011

O Trabalho e a Alma


Essa semana, eu li na revista Veja um artigo de Cláudio de Moura e Castro denominado “O profissionalismo como religião”. Esse artigo me fez refletir.

A linha de argumentação do artigo coloca o paralelo da realidade atual com o fato histórico do início das profissões, nas milenares corporações de ofício, terem sido praticamente uma conversão religiosa, em que os rituais e padrões de qualidade eram cobrados todo o tempo. Ressalta a questão de que, nas sociedades mais tradicionais e evoluídas, o profissional ao adotar seu ofício, seja ele qual for, adota os cânones da profissão e exige de si a conduta ética e técnica por seu próprio senso de dever para com o trabalho que executa.

Assim, o profissional incorpora a ideologia da perfeição (no dizer do autor), sendo o capricho na execução uma necessidade própria e não algo que dependa de ser fiscalizado por alguém. Ou seja, não faz bem feito só no caso de alguém reclamar. A satisfação de fazer o trabalho bem feito, independentemente de alguém notar, é uma satisfação pessoal.

Eu concordo com o autor, mas acho que há outras questões também relevantes para a relação do ser humano e seu trabalho. O trabalho nos satisfaz ou não, por vários motivos.

Para alguns, há essa satisfação de fazer algo à excelência, de pertencer àquilo que executa, porque o produto bem feito do seu trabalho é parte daquilo que você é. Integra o mundo do ser, não somente do fazer. Você é alguém que faz uma determinada coisa bem feita. Isso te ajuda a se definir como pessoa. Realmente é quase uma escolha religiosa, pois vem de uma crença pessoal.

Se isso está certo ou não, se é bom ou não, não sei e acredito que o mundo não é preto e branco.

Nem todos têm a inclinação para a conduta religiosa, assim como nem todos terão esse sentimento de pertencimento que pode ser vivido no trabalho.

Da mesma forma, quem vive esse sentimento, pode sofrer uma crise identidade quando questiona como isso te define. Deveríamos ser definidos por aquilo que fazemos? Não somos muito mais do que isso??

Minha experiência pessoal é de que também podemos ser definidos pelo que fazemos, mas isso é só uma parte de nós. E existe um grande e grave problema quando essa parte se torna maior do que deveria. Porque antes de sermos profissionais, somos pessoas. O que nos define é a pessoa que somos.

Por isso, lembro de uma outra questão bem pessoal que se reflete na vida de boa parte das pessoas que conheço. Vivemos uma crise do trabalho. Quando o trabalho nos faz mal???

Acredito que o trabalho nos faz mal quando ele, por qualquer motivo, nos afeta negativamente o físico, a mente e/ou a alma.

Isso pode estar relacionado com a quantidade de carga, seja no número de horas, volume ou responsabilidade em excesso. Pode estar vinculado às condições de trabalho, incluindo o ambiente e as relações, ou mesmo às crenças pessoais e à forma como a pessoa se relaciona com o trabalho.

A falta de comprometimento, satisfação ou crença no resultado do trabalho é um grande motivo de frustração para muitas pessoas, tornando o dia-a-dia um peso a cumprir.

Para outras, isso não faz diferença. O retorno financeiro é o grande centro das atenções e motivo de satisfação ou não.

O ambiente é um fator comum a todos, porque afinal estamos nele grande parte do dia e quase todos os dias. Conviver bem é essencial ao ser humano.

Muitos se cobram exageradamente, exigindo uma perfeição inatingível. Assim, o nível de satisfação com a qualidade do que produzimos é simplesmente impossível. Nunca estará bom o bastante.

Outros, acham que têm que dar conta de todas as demandas, os anseios, as necessidades suas e alheias. Ou seja, são movidos por um desejo interno de ver tudo no lugar, de não deixar nada por ser feito, por um senso de dever exagerado, por um anseio, que apesar de impossível de ser atendido, os move a sentir que se tudo estivesse no lugar (pronto, feito e atendido), a paz finalmente poderia reinar.

Há quem acredite simplesmente que o problema sempre está em outro lugar: em um ou mais colegas, nas regras procedimentais ou sociais, ou mesmo no “sistema” (que como “condomínio”, “sociedade” ou “cidade”, é uma entidade etérea, detentora de todo poder e toda a responsabilidade, a qual nunca pertencemos, rsrsrs).

Há também aqueles que não conseguem escolher sua carreira ou trabalho, buscam, mas não encontram ou não definem. Se sujeitam ao que aparece e quando aparece, pois o mercado está difícil. Mas a falta de foco e objetivo, de um planejamento e ações encadeados e programados para definir uma carreira também atrapalha. Muito sequer sabem o suficiente sobre si mesmos para poder definir o que se quer. São tantos interesses e possibilidades em tese, mas nenhuma escolha efetiva.

Bem, não importa qual seja o motivo, o fato é que o trabalho, além de ser o nosso sustento e apenas uma parte, ainda que importante, de nossas vidas, muitas vezes nos faz mal.

O trabalho pode nos agredir à mente e à alma. Mas nossa mente e nossa alma, onde estão? Por que elas permitem essa agressão??

Até que ponto as condições da vida afeta nossas escolhas, atitudes e sentimentos? Seja o passado ou o presente, até que ponto o externo a nós nos atinge?

E o que está dentro de nós? A partir de que ponto podemos mudar o que somos, como sentimos e nossas atitudes diante da vida?

Entre as condições do meio em que vive e as características do próprio ser humano, sempre faremos essas perguntas.

E muitas outras tão importantes não são feitas, porque é difícil questionarmos a nós mesmos. É muitas vezes doloroso.

O que o trabalho ou a carreira significam para mim?

Dou mais valor a quê? Ao retorno financeiro, ao que vou fazer, ao produto do que faço, a como faço meu trabalho e as características dessa execução, ao ambiente que me cerca, ao que as pessoas pensam sobre mim e meu trabalho? O que me dá prazer? O que eu gosto?

Como eu lido com as escolhas? Quais minhas expectativas? Quais os meus limites? Qual o peso que eu atribuo a cada parte da minha vida?

Essas perguntas norteiam nosso processo de auto-conhecimento.

Olhar para nossa atitude em relação ao trabalho pode ser uma forma de nos ajudar a nos conhecer melhor. Afinal de contas, trabalhamos para nosso sustento, mas lá no fundo não é só isso... Refletir pode nos ajudar a ter uma relação melhor e mais saudável com essa parte de nossas vidas.

Acredito que se conhecer melhor é o caminho para as escolhas conscientes e saudáveis.

E você, como se relaciona com seu trabalho? Quer nos contar??

Elaine Melo


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Se gostou, comente. Se não, comente também...rsrs